Pensar grande e olhar para o pequeno: desafios para o controle de infecção no Brasil

 *Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza

Entre todos os agravos de importância em saúde, talvez o menos compreendido – pela população como um todo e até por órgãos governamentais – sejam as Infecções Hospitalares ou, como hoje as chamamos, Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS). Para a vigilância epidemiológica, elas não parecem pertencer a um conjunto de doenças que inclua dengue, aids e tuberculose. No moderno contexto de crescimento de escritórios de qualidade e segurança, podem consideradas apenas mais um item de um extenso checklist de boas práticas. (1) Por fim, a população geral as interpreta como erros médicos, enquanto o poder judiciário e órgãos de proteção ao consumidor comparam as IRAS a danos na prestação de serviços.
 
Há um pouco de verdade em tudo isso, e também muito de equívoco. Sem dúvida as IRAS não são uma doença específica, mas um conjunto de síndromes infecciosas que decorrem de intervenções de assistência à saúde. Que podem, evidentemente, ter sua incidência reduzida na presença de boa estrutura assistencial, processos de trabalho otimizados e adesão a rotinas baseadas em evidência.Mas as IRAS não são, certamente, apenas um indicador de qualidade e segurança com o qual os hospitais devem lidar. São um grave problema de saúde pública.
 
Para se ter uma ideia, um estudo europeu englobando seis tipos de IRAS identificou impacto sobre morbi-mortalidade superior ao de tuberculose, influenza e aids.(2)  Esses são resultados europeus. Mas não custa lembrar que achados de uma revisão sistemática conduzida pela Organização Mundial da Saúde apontam para incidência muito mais elevada de IRAS nos países em desenvolvimento. (3)
 
Não é de surpreender que nossas informações sobre a magnitude das IRAS no Brasil sejam bem menos precisas que aquelas disponíveis para doenças de notificação compulsória. É verdade, claro, que sistemas de vigilância de IRAS foram implantados, primeiro pelo Centro de Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo (4), e a seguir pela ANVISA. (5) Mas ambos os sistemas dependem de informações fornecidas pelos hospitais. Se precisássemos de uma abordagem ampla do panorama das IRAS no país, recorreríamos sempre ao inquérito conduzido por Prade na década de 1990. (6) Em que pesem seus méritos, é um estudo com mais de 20 anos de idade, e seus resultados podem não se aplicar à situação atual.

Recentemente, um novo estudo foi conduzido, buscando caracterizar estrutura para controle de infecção e identificar a prevalência de IRAS em hospitais brasileiros. Foram incluídos 152 hospitais de dez Estados, divididos em grande (200 leitos ou mais), médio (50-199 leitos) e pequeno porte (até 50 leitos). Alguns achados são dignos de nota:
 
No quesito estrutura (7), foram aplicados questionários para avaliar a adequação dos programas de controle de infecção às normas vigentes. A mediana de pontuação foi de 96% para grandes hospitais, mas apenas 55% para aqueles de pequeno porte. Para central de material e esterilização, os resultados foram semelhantes: 80% de adequação em grandes hospitais, 51% nos pequenos.  Um achado, porém foi alentador: uma grande disponibilidade de dispensadores de álcool-gel para higienização das mãos em todas as categorias avaliadas.

A prevalência global de IRAS foi de 10,8%, sendo de 13,5%, 7,7% e 5,5% para serviços de grande, médio e pequeno porte. (8) Não houve grandes diferenças entre as Macro-Regiões do país. Predominaram as pneumonias (prevalência de 3,6%), porém quando analisados somente pacientes em pós-operatório, infecções de sítio cirúrgico estavam presentes em 9,8%. Dispositivos invasivos, especialmente sondas vesicais e cateteres venosos centrais eram comuns em todos os hospitais, inclusive os de pequeno porte.
 
Talvez seja o momento de olharmos para os pequenos hospitais. Eles representam quase dois terços dos serviços hospitalares brasileiros, e desenvolvem importante atividade cirúrgica e obstétrica. (4) São cenários de intenso uso de antimicrobianos. Um estudo que avaliou 48 hospitais de até 50 leitos no interior de São Paulo em 2015-2016 quantificou esse uso em 242 dias de tratamento para 100 internações. Surpreendentemente, 27% dos antimicrobianos empregados eram de amplo espectro. (9) Esses hospitais podem inclusive ser fontes de disseminação de microrganismos multidroga-resistentes para serviços de maior porte e complexidade. (10)
 
Uma ação programática para controle de IRAS tem que ser abrangente o suficiente para se aplicar a hospitais de diferentes características distribuídos no território continental do país. Pensar grande e olhar para o pequeno. Esse é o desafio das políticas públicas para prevenção e controle das IRAS no Brasil.
                       
 
1.    Padoveze MC, Fortaleza CM. Healthcare-associated infections: challenges to public health in Brazil. Rev SaudePublica. 2014;48:995-1001.

2.    Cassini A, Plachouras D, Eckmanns T, et al. Burden of Six Healthcare-Associated Infections on European Population Health: Estimating Incidence-Based Disability-Adjusted Life Years through a Population Prevalence-Based Modelling Study. PLoS Med. 2016;13:e1002150.

3.    Allegranzi B, BagheriNejad S, Combescure C, et al. Burden of endemic health-care-associated infection in developing countries: systematic review and meta-analysis. Lancet. 2011;377:228-41.

4.    Padoveze MC, Assis DB, Freire MP, et al. Surveillance Programme for Healthcare Associated Infections in the State of São Paulo, Brazil. Implementation and the first three years' results. J Hosp Infect. 2010;76:311-5.

5.    ANVISA. Boletim de Segurança do Paciente e Qualidade em Serviços de Saúde nº 14: Avaliação dos indicadores nacionais das Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) e Resistência microbiana do ano de 2015. Brasília, 2016.

6.    Prade SS, Oliveira ST, Rodriguez R, et al. Estudo brasileiro da magnitude de infecções hospitalares em hospitais terciários. Revista do Controle de Infecção Hospitalar 1995;2:11e24.

7.    Padoveze MC, Fortaleza CM, Kiffer C, et al. Structure for prevention of health care-associated infections in Brazilian hospitals: A countrywide study. Am J Infect Control. 2016;44:74-9.

8.    Fortaleza CM, Padoveze MC, Kiffer CR, et al. Multi-state survey of healthcare-associated infections in acute care hospitals in Brazil. J Hosp Infect 2017; 96: 139-44.

9.    Giacomini JL, Fortaleza CM. Use of parenteral antimicrobials in very small hospitals in inner Brazil: Patterns, determinants and opportunities for interventions in developing countries. J Hosp Infect 2017; ahead of print: DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.jhin.2017.04.013.

10.  Correa AA, Pignatari AC, da Silveira M, et al. Small hospitals matter: insights from the emergence and spread of vancomycin-resistant enterococci in 2 public hospitals in inner Brazil.DiagnMicrobiol Infect Dis. 2015;82:227-33.


* Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza é médico infectologista e membro da diretoria da Sociedade Paulista de Infectologia





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